Acabo de receber um email do caro Douglas Backes me cobrando o fato de morar em São Leopoldo e não falar nada sobre o assassinato do Thomás Engel. Bem, para quem não está por dentro da história, o causo é o seguinte: esse domingo o Thomás, que era um gurizão de 16 anos, estava passeando no centro daqui de São Léo com uns amigos quando foi parado pela polícia. Ele e os amigos estavam sendo revistados quando o Thomás se mexeu (segundo os policiais) e um dos policiais (o tenente Paulo Sérgio de Souza) atirou nele, atingindo-o sob o braço direito, dilacerando o fígado e atingindo o coração. Assim, o garoto que era uma revelação no tênis, que sonhava chegar a Roland Garros, morreu. Resultado: a população de Novo Hamburgo (de onde era o garoto) está extremamente revoltada, assim como boa parte do povo da Grande Porto Alegre. Some a isso o fato de que foi comprovado de que o microempresário Roberto Angelo de Souza, de Canoas, foi realmente espancado até a morte por dois policiais e se entende por que o secretário de segurança pública, o Bisol, transferiu o comando da Brigada para o Vale dos Sinos para apurar o que diabos está acontecendo por aqui, assim como por que estão havendo passeatas pedindo o fim da violência. Violência policial.

Ok, e o que eu penso sobre o assunto? Olha, eu sou da geração que na infância cresceu ouvindo o Chico Buarque chamando o ladrão e que na adolescência tinha medo da veraneio vascaína, apesar de morar em Taquara, a quilômetros dos abusos que ocorriam em Brasília, São Paulo e outras grandes cidades. Aprendi desde cedo que a polícia infelizmente não é confiável. Se você tem qualquer dúvida é só ler os artigos que o Caco Barcelos (ele mesmo ameaçado de morte por policiais) para entender isso. O detalhe é que agora a violência policial não está apenas restrita ao povão, e está começando a atingir a classe média. O Thomás Engel e o Roberto de Souza não são diferentes de muitos Josés e Joãos que moram nas vilas da vida, a diferença é que eles eram “de bem”. Sim, a velha história: no Brasil não há preconceito racial, mas sim social. Negro se é rico não é negro, é preto, é “de cor”. Se é pobre, é negrão, malandro safado, vagabundo sem vergonha. Não importa se ele sua a semana inteira num emprego honesto. O mesmo pode-se dizer do branquelo que é pobre. É alemão/gringo cachaceiro sem vergonha, mesmo sem tomar uma gota de álcool. O fato de ser pobre já faz dele suspeito, culpado e por fim vítima de um tribunal composto por carrascos, sem juízes e advogados, sofrendo assim toda uma série de abusos, que podem muito bem acabar em morte na mão de um policial despreparado (que ;e o caso do tenente em questão, que só estava ainda na corporação devido a liminiares na Justiça). A viúva chora, a mãe lamenta, os vizinhos protestam e a imprensa desconsidera: afinal a vítima foi mais um “vagabundo” mesmo… Porém, quando a violência chega à classe média, a coisa muda de figura: a vítima é uma pessoa de boa família, bem criada, membro ativo da sociedade. Assim, a coisa estoura e mostra todo o seu fedor.

Pois bem, agora leve em conta uma coisa: logo que o PT assumiu o Estado, circulou dentro da RBS um aviso para atacar com tudo a secretaria de segurança. Sei disso por que tenho vários amigos que trabalham lá, e a prioridade era atacar o Bisol. Assim, medidas como a portaria sobre o uso de força e armas pela polícia foram contestadas até não poder mais, sendo chamadas de medidas tolas, ingênuas, estúpidas, ao mesmo tempo que eram feitas sem parar denúncias de que a polícia estava sendo desmantelada. O auê em cima do relógio dos 500 anos então foi uma beleza: só faltou o Lasier Martins dizer que era um absurdo a Brigada não ter atirado no bando de baderneiros (aliás, acho que a melhor coisa daquela história toda foi justamente que ninguém saiu ferido na história: um relógio é só um relógio, e uma vida humana – seja de um “baderneiro”, de um policial ou de um cidadão comum – vale muito mais do que um artefato). Assim sendo, essa comoção toda em cima dessas mortes na verdade não me surpreende. Era uma situação que o governo mostrava vontade de mudar e que por isso estava sofrendo um ataque violento por parte da maior empresa de comunicação do estado (duvida? então faça uma análise comparando o que é a sessão de polícia da ZH com a do Correio do Povo…) e que agora se mostra “chocada” com os fatos. Resumindo: foram desmoralizadas todas as tentativas de consertar uma polícia falha, violenta, que possui em seus quadros pessoas despreparadas e extremamente perigosas, que comprometem a segurança não só dos cidadãos como dos seus colegas, e tudo isso por causa de uma visão mesquinha baseada em interesses políticos. E não é uma visão só minha, faz tempo que se fala sobre isso. Assim sendo, fico triste pelos familiares e amigos do Thomás e do Roberto, fico chocado em saber que eu posso muito bem estar caminhando pelo centro da cidade e levar um tiro daquele que recebe para me proteger, mas não me surpreendo. Afinal, a bomba está sendo armada a muito tempo, e mais cedo ou mais tarde ela ia explodir. Foi o que aconteceu.

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