O revoltante auxílio-reclusão

Costumo no Twitter ver ocasionalmente críticas ao auxílio-reclusão. Normalmente é algo desse tipo:

É, de fato é revoltante isso… Afinal, lá está você honestamente dando duro, suando, para ganhar uma merreca, enquanto o cara que matou, estuprou, e fez o diabo a quatro tá lá no bem bom sem fazer nada ganhando mais do que você… Sim, é extremamente revoltante.

Só que não é bem assim.

Para começar o auxílio não é para o preso. Esse está lá, encarcerado, sendo mantido pelo Estado. Por pior que seja o crime é função do Estado trabalhar na reabilitação do criminoso, e isso não é possível sem que o mesmo seja mantido vivo. Assim, ele recebe o necessário para as suas necessidades fundamentais. O problema não está aí, o problema está em quem depende de quem está preso.

Vamos criar um caso hipotético para ilustrar: José é casado com a Maria e tem um filho de 12 anos, o João. Ele é um cara trabalhador, mas tem um defeito: é muito esquentado. E um dia ele brigou com o Pedro e… bem, matou o Pedro. Como o José é um cara esquentado, e não é a primeira vez que é preso, ele é encarcerado, sem direito à esperar o julgamento em liberdade. E agora vem a pergunta: como ficam nessa história a Maria e o João? Pois é, a Maria até tem o seu emprego, mas se antes com o José trabalhando junto não dava para se manter direito imagine agora. E tanto a família do José como da Maria não são da cidade onde eles moram, de forma que não há familiar por perto para quem recorrer. Pois bem, é para a Maria e o João que existe o auxílio-reclusão. Enquanto o José estiver preso, sem poder prover o sustento da sua família, esta vai receber um auxílio da previdência.

É como disse o Mozart Victor Russomando no “Curso de previdência social” (p. 294-5, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983):

“O detento ou recluso, por árdua que seja sua posição pessoal, está ao abrigo das necessidades fundamentais e vive as expensas do Estado. Seus dependentes, não. Estes se vêem, de um momento para o outro, sem o arrimo que os mantinha e, não raro, sem perspectiva de subsistência.”

É para isso que serve o auxílio-reclusão: para ajudar os dependentes, não o preso. Dizer que com um auxílio desses vai aumentar a criminalidade é fechar os olhos para o fato de que com isso está se evitando que o João aí da história vá “dar um jeito” (vale lembrar que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente o João não pode trabalhar… então, como é que ele vai arranjar uma graninha?) para ajudar no seu sustento e da sua mãe.

E quanto ao valor, o detalhe é o seguinte: o salário mínimo pode ser de R$ 540, mas esse é o piso do salário mínimo, enquanto os R$ 810 são o teto do auxílio. Segundo o INSS o valor médio recebido por família é de R$ 580,00 por mês, o que quer dizer que tem gente que recebe menos que o salário mínimo. Dá para entender isso quando se leva em conta que o valor do auxílio-reclusão a ser concedido corresponderá ao equivalente a 100% do salário-de-benefício pago pelo contribuinte no momento em que ele foi preso. Ou seja: se ele recebia um salário de R$ 670 e pagava a contribuição sobre esse valor ele receberá a quantia de R$ 670. Sim, o mesmo que ele ganhava de salário! Olha, não quero dizer nada, mas se alguém aprontar uma para ir preso em um das maravilhosas prisões brasileiras   para ganhar esse auxílio por causa do dinheiro ele realmente merece ir preso, mas por burrice.

Então, antes de dar o retweet dessa besteira aí em cima pare e pense. Assim você vai ver que esse auxílio aí não estimula o aumento da criminalidade, mas sim ajuda a diminuir o mesmo.

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