Flechas contra o tempo

Eletista, de extrema direita, eis algumas definições que eu já ouvi sobre Janer Cristaldo, jornalista gaúcho que há alguns anos “sofre São Paulo”, como ele mesmo diz. Eu, que gosto de acompanhar semanalmente sua coluna no Baguete Diário, vejo ele como um daqueles velhos humanistas, que não querem saber se o governo (ou desgoverno, no caso) é de direita ou de esquerda, mas sim se o homem, e a sua liberdade de pensar e opinar, estão sendo atingidos. E eis que o homem acaba de lançar uma coletânea, chamada Flechas contra o vento com as suas crônicas, no formato eBook. Vai aí uma palhinha do que tem por lá:

Em julho de 1979, quando presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, o líder petista Luís Inácio Lula da Silva deu uma entrevista à Playboy, na qual citou Hitler e Khomeiny como duas figuras políticas pelas quais nutria admiração. O então sindicalista elogiou a “disposição, força e dedicação” de Hitler e afirmou: “O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”. Durante três eleições presidenciais, foi o candidato mais votado das oposições, sem que nenhum líder – europeu ou cá de baixo – se preocupasse com esta sincera admiração.

Lula, que se saiba, jamais nutriu maiores afetos por tiranos menores, como Pinochet, Galtieri ou Stroessner. Mas gostava também do aiatolá iraniano, “Eu não conheço muita coisa sobre o Irã, mas a força que o Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do xá foi um negócio sério”.

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Se João Paulo acredita em Deus, não deve ser no mesmo que nos mostra a Bíblia. Jeová regulamenta a escravidão e ordena massacres, guerras de extermínio, sacrifícios cruentos de crianças. Nestes dias em que, num estupro à semântica, até Pinochet é acusado de genocídio, o deus judaico-cristão é o primeiro responsável na história por uma matança das boas. Diante da ira divina, os bombardeios de Clinton à Iugoslávia são obra de aprendiz de genocida. Irritado com a humanidade pecadora, Jeová inunda a terra toda e mata todo ser vivo, salvando apenas Noé, sua família e um casal de cada espécie viva. Pelos pecados humanos, pagaram até as bestas. Quem mata um é assassino, quem mata milhões é conquistador, quem mata todos é Deus – costumava dizer Jean Rostand.

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No entanto, não é raro que uma adolescente, filha de árabes, vivendo em Paris, estudando em Paris com suas amiguinhas francesas, tenha de abandonar a escola para casar com um primo a quem fora vendida ao nascer. Ou que, por ordem dos pais, esta menina insista em freqüentar uma escola laica com um véu cobrindo o rosto. Ou, como também acontece, surge aquele dia entre os dias em que uma sage femme chega em um vôo da Argélia, munida de uma navalha ou cacos de vidro, para executar o trabalho infame que os médicos franceses não aceitam executar. No país em que as mulheres alcançaram um invejável grau de independência pessoal e profissional, uma menina, pelo fato de pertencer a uma cultura muçulmana, é tratada como mercadoria e sexualmente mutilada… só porque uma tradição de brutos do deserto assim o quer.

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Quando ouço falar em cultura indígena, puxo do coldre a História. Se me debruço sobre a Rússia, por exemplo, lá vou beber em fontes como Dostoievski, Kuprin, Scriabin, Eisenstein. Se me viro para a Suécia, lá estão Liné, Lagerlöf, Lagerkvist, Boye, Bellmann, Bergman, Taube. Se rumo à Finlândia, encontro Sibelius, Alvar Aalto, o Kalevala, a Nokia, etc. Se volto pela Alemanha, lá estão Goethe, Schliemann, Nietzsche, Einstein. Viro rumo à “nazista” Áustria, lá me esperam Mozart, Freud, Klimt, Koestler. Na França, tenho desde Rabellais a Balzac, Rodin ou Bizet, Concorde ou camembert. A Espanha deu ao mundo Cervantes, Cela, Goya, Gaudi, Dali, Picasso, flamenco, cante hondo.

Da Itália, nem se fala: Dante, Da Vinci, Rafael, Verdi, Vivaldi, Papini, Puccini, Fellini, spaghetti, Sofia Loren. O festival é tamanho que lá se origina a chamada síndrome de Stendhal, a crise que acomete todo viajante sensível perturbado com as manifestações da arte. Da Grécia, posso trazer um farto legado, que vem de Sócrates e Platão a Kazantzakis, passando por Theodorakis ou Costa Gavras. Mesmo o modesto Portugal, me oferece desde Eça e Pessoa, fados e caravelas, Porto e ginja. Isso sem contar as Notre Dames da vida, os Schonbruns, Versailles, Neuschwansteins e Hermitages. Já nem falo das cidades em si, festas que deslumbram o viajante, nem das arquiteturas, universidades, bibliotecas, museus, tecnologias, transportes, vinhos e queijos, cozinhas.

São estas conquistas humanas que me fascinam, e nisto não estou sendo nada original. Volto-me então para o universo indígena brasileiro. Onde encontrar algo que possa deslumbrar alguém, servir como emulação ou exemplo para gerações futuras?

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Como se pode ver, o homem merece realmente uma lida, nem que seja para se discordar dele.

Mas falando de weblogs… Nimpha, da lista Breinstormi. Uma pérola, assim como a sua antiga weblog, a Du Hast.

E nada do www.charles.pilger.net voltar… 😛 Já passamos de friday e nada…

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