Cinco discos da minha vida

Esse post teve origem na Poplist, onde os membros da lista estão postando, cada um, os cinco discos mais representativos na sua vida. Bem, comemorando então meu aniversário de 41 anos, que foi comemorado ontem, eis a minha lista… 🙂

Tenho uma relação estranha com discos. Volta e meia eu adoto um como trilha sonora dO momento, sem necessariamente ser a trilha sonora dE momentos. Assim, quando eu olho para trás vejo que tive períodos na minha vida em que eu estava feliz e a trilha sonora era de cortar os pulsos, enquanto vivi momentos tristes onde ouvia sem parar músicas alegres. Assim, quando fui fazer a lista fiquei na dúvida se deveria privilegiar discos que me marcaram musicalmente ou se deveria ficar com os que representaram um período da minha vida. Resolvi fazer uma lista híbrida, o que fez com que alguns dos meus discos preferidos ficassem de fora. Assim, Björk acabou não entrando na lista assim como Nick Cave e Arcade Fire, mas isso não quer dizer que os discos deles não sejam menos importantes na minha vida. Só que senti que deveria contar sobre esses discos aqui:

Nova História da Música Popular Brasileira – João Bosco e Aldir Blanc

Na segunda metade da década de 70 a editora Abril lançou a série Nova História da Música Popular Brasileira. Cada volume continha a biografia de um ou mais artistas, ilustrado com belos desenhos feitos por Elifas Andreato, e um disco de 10 polegadas, que além das principais músicas ainda haviam peças não tão conhecidas mas que mereciam destaque. O meu pai costumava comprar os volumes dessa coleção e eu costumava passar, lá pelos meus 9, 10 anos, horas e horas ouvindo os discos e lendo sobre os artistas. A parte que eu mais gostava de ler era a primeira contracapa, onde ficava uma breve nota sobre cada música, explicando quando tinha sido a gravação, com quem e porque ela tinha relevância. Foi por essa coleção que eu conheci Caetano, Vinícius, Gilberto Gil, Mutantes, Raul Seixas, Cartola, Luiz Gonzaga, Novos Baianos, Hermeto Pascoal, Milton Nascimento, Candeia, entre outros, além de ter contato com a música caipira de raiz, os precursores da Bossa Nova e a valsa brasileira do século XIX. Uma verdadeira escola de música. E esse volume sobre a dupla João Bosco / Aldir Blanc podia não ser o melhor de todos, mas era um dos que eu mais gostava, não só pelo fato das músicas serem mais “agitadas” e “divertidas” (afinal eu era uma criança) como “De frente pro crime”, mas também por conter canções como a belíssima “Casa à raposa”, interpretada pela Elis Regina, assim como aquela que deve ser a melhor estreia de um artista na história da MPB: “Agnus sei”.

Destaques: Agnus sei, com João Bosco e Caça à raposa, com Elis Regina.

Lee Jeans presents Lee Original Country Music

Esse foi o meu primeiro disco. Simples assim. Eu devia ter uns 11 anos quando a Lee resolveu lançar essa coletânea de música country que tinha como destaque na propaganda a música The Baron, do Johnny Cash. Até então eu gostava de música e tudo mas nunca tinha insistido junto aos meus pais para ter um disco. E assim eu fiquei um bom tempo pentelhando eles até que lá fomos nós comprar um jeans Lee para poder ganhar o disco. Lembro que na hora de comprar as calças eu só vi se eles serviam bem no corpo (nessa época eu já era gordinho) e nem prestei atenção se ela era bonita ou não, e que quando cheguei em casa fui direto ouvir O MEU DISCO e fiquei várias e várias vezes ouvindo a primeira música (justo a do Johnny Cash) a ponto de gastar a faixa. Das outras músicas eu nem lembro muita coisa, já que country é um ritmo que nunca me fisgou, com exceção daquela primeira faixa lá.

Destaques: The Baron, do Johnny Cash e Deep inside my heart, do Randy Meisner

Talking Heads – Fear of Music

Na metade dos anos 80 eu morava em Taquara/RS, que fica a uns bons 70 kms de Porto Alegre. A distância pode ser pequena, mas era suficiente para a cidade ser “do interior” (hoje ela faz parte da região metropolitana, mas nem por isso deixou de ser interiorana), com as suas consequências do tipo lojas de disco com poucas coisas diferentes dos top 10 das paradas. E, além das poucas ofertas, ainda havia a questão do preço, de forma que comprar um vinil não era tão simples. Bem, felizmente houve um período na história da cidade em que comprar disco não foi uma sangria: foi em 1986 durante o Plano Cruzado, onde com os preços congelados e sem ágio (ao contrário da comida) foi possível comprar discos a rodo. Foi nessa época que comprei vários discos, indo por Legião Urbana, Capital Inicial, Engenheiros do Hawai, e por aí vai. Como se pode perceber era principalmente rock nacional. E a maior parte dos discos foi comprado não em loja de disco, mas sim nas Lojas Colombo, que vendia eletrodomésticos. Explico: junto da sessão de equipamentos de som havia uma estante de discos, que serviam para “acompanhar” o aparelho recém vendido. Por vezes, dependendo do que era comprado o disco ia até de brinde, para o cliente já poder mostrar para a família a sua nova aquisição. Bem, eu não sei quem é que fazia a seleção de discos da Colombo, mas o caso é que sempre haviam uns discos meio estranhos ali, que fugiam daqueles que estavam no topo das paradas, e esses discos costumavam ser baratos, quase a metade do preço do LP em uma loja de discos normal. Bem, certo dia estava eu dando uma olhada ali naqueles LPs e vi um de uma banda chamada Talking Heads com uma capa totalmente maluca e com quatro pessoas usando roupas bizarras na contracapa chamado “Little Creatures”. Como não havia como ouvir os discos (quem comprava um aparelho de som podia) a compra era no escuro. Naquele caso resolvi arriscar (afinal parece que eu já havia lido alguma coisa sobre a banda na revista Bizz) e levei para casa. Cheguei, ouvi e gostei muito do disco. Gostei tanto que lembrei que havia outro disco da banda a venda na Colombo e fui correndo comprar antes que alguém levasse ele. Chego em casa todo feliz, ingenuamente do alto dos meus 15 anos esperando ouvir outra And she was, mesmo com a capa preta do disco já me avisando “não é bem o que tu tá esperando guri…”, quando sou arremessado contra a parede por I Zimbra. De repente sou apresentado a uma nova realidade, a um mundo completamente diferente, que foi ficando cada vez mais rico de detalhes à medida que o disco ia tocando. Eu ia ouvindo e ficando cada vez mais surpreso. Como é que podia haver algo assim tão pop e tão experimental (vale lembrar que na época eu já conhecia Hermeto Pascoal, Walter Franco, esses maluquetes da MPB) ao mesmo tempo? O que querem dizer esses ruídos de fundo? Como assim essa distorção aí é para dar ritmo à música? Como alguém conseguia fazer aquilo? Como é que ninguém me falou desse disco? Será que existem outros discos como esse? Onde eu encontro essa música? Quem mais faz esse tipo de música? EU TENHO QUE SABER ISSO! EU TENHO QUE CONHECER MAIS! EU TENHO! É, se eu tive um momento de iluminação na minha vida foi esse, e quando o disco fechou com “Drugs” eu não era mais a mesma pessoa.

Destaques: Mind e Drugs

Radiohead – Ok Computer

São Leopoldo, 1998. Nessa época eu levava uma vida muito besta: a grana no bolso era pouca e aos 27 anos eu vergonhosamente ainda recebia uma ajuda dos meus velhos para me manter; as opções de lazer eram poucas; eu não conhecia quase ninguém na cidade e as que eu conhecia não estavam lá muito melhores na vida do que eu; estava na época terminando a Unisinos, depois de quase 3 anos trancado, e aquelas últimas cadeiras estavam se arrastando, já que o assunto não me interessava e eu não conhecia nenhum dos meus colegas; e por aí vai. Era uma época em que eu ficava no MacBar esperando conhecer novas pessoas, já que os amigos que eu havia feito em 1994 já tinham se formado e voltado para as suas cidades. Para ajudar a minha vida sentimental também estava horrível, e essa foi uma fase em que eu realmente me senti sozinho. O que havia de bom é que eu na época morava numa república, e não mais numa pensão, de forma que eu não me encontrava tão sozinho assim, e acho que foi isso que me salvou de ficar com depressão na época.Outra coisa boa é que eu tinha saído novamente de Taquara, depois de ter voltado para a casa dos meus pais e ter morado lá durante um ano e meio. E foi nesse período que em um certo dia de outono eu cheguei com o Ok Computer em casa. Juro que não consigo me lembrar de onde e como eu comprei o disco. Lembro que foi uma compra às cegas, movido pela lembrança de comentários que diziam que aquele tinha sido considerado o melhor disco de 1997. Eu nunca tinha ouvido uma música que fosse do disco, não tinha a menor idéia de que banda era aquela, já que na época eu estava completamente alheio ao que estava acontecendo no mundo da música (a única coisa que eu acompanhava na época era o Pato Fu…) e desconhecia completamente o shoegaze (ok, eu conhecia e gostava de Jesus & Mary Chain, mas não acompanhava em nada do que eles estavam fazendo e as bandas que eles influenciaram), acreditando que o mundo tinha sido completamente dominado pelo grunge e pelo revival da disco music, onde a Björk apontava o caminho para o que havia de bom na época. Assim, quando vi o disco numa loja de discos resolvi arriscar e ver o que é que tinha ali. Lembro de chegar em casa, colocar o CD para tocar e eu me instalar no colchão no chão da sala que servia de sofá, só me guiando pela luz do poste em frente à janela. O tempo era levemente frio como convinha a uma noite de outono e não havia ninguém em casa além de mim. Eu nunca fui de prestar atenção em letra de música, para mim o casal voz e letra é mais um instrumento musical que qualquer outra coisa, e mesmo no meu inglês precário sem entender nada do que o Thom Yorke estava cantando eu conseguia saber do que ele estava falando, conseguia ver que ele descrevia perfeitamente aquela fase que eu estava vivendo, e consegui ver que mesmo na tristeza havia uma beleza enorme, que devia ser desfrutada. Foi uma noite estranha aquela, onde eu fiquei vários dias meio chapado com o impacto do que eu havia ouvido, e que acabaram por me tirar da apatia que eu estava.

Destaques: Subterranean Homesick Alien e Climbing Up the Walls

Viana Moog – Boemia Adolescente Após os 30

Há uma passagem em High Fidelity em que Laura, a namorada do Rob Fleming, está lendo uma lista dos empregos perfeitos que o Rob tinha feito. A opção que encabeçava a lista consistia em ser jornalista da NME Express entre 1976 e 1979, seguido por produtor da Atlantic Records entre 1964 e 1971. Basicamente as duas opções consistiam em ser o cara no emprego certo na época certa no local certo, convivendo com as pessoas certas. Você já imaginou frequentando as festas do CBGB? Pois então, se Nick Hornby morasse no Rio Grande do Sul nos anos 2000 certamente ele iria acabar escrevendo um livro sobre São Leopoldo. Não que a cidade possa ser comparada a Nova Iorque, mas o caso é que ali, no começo da década, é que havia coisas acontecendo, e em 2001 eu comecei a frequentar o BR-3, local onde praticamente tudo acontecia. E o que aconteceu naquele bar (e continuou ainda um pouco depois no Casarão) foi incrível. Várias bandas, zines (só eu participei de dois: O Apanhador e Gordurama), artistas plásticos, todos se encontrando e vivendo um vida intensa, uma TAZ, algo que fugia completamente do marasmo que estávamos mergulhados. E a banda que melhor sintetizava o espírito daquela época era a Viana Moog com a sua distorção, sua adoração a Humberto Efe e suas letras minimalistas. Os shows que eles faziam no BR-3 eram simplesmente incríveis, loucura espalhada em decibéis. E esse disco, mesmo com os vários problemas de gravação que ele tem e que acabam por esconder a força da banda, é o melhor registro do espírito dessa época. A época certa no local certo que eu vivi.

Destaques: Totalmente Alien e Virna Lisi

Link para download dos MP3s das músicas: 2shared